quarta-feira, outubro 25, 2006

Fotojornalismo - a nova paixão

Amigos e amigas desta vez a minha escrita dirige-se a uma nova paixão.

Até há bem pouco tempo não podia nem ouvir falar de fotografia. Desde sempre me lembro das controvérsias entre mim e o meu pai quando ele me queria tirar uma fotografia para mais tarde recordar. Nunca gostei muito disso. A verdade é que “Deus escreve direito por linhas tortas” e eis que agora me encontro aficionado por esta arte. Agora arrependo-me de outrora não ter deixado o meu pai disparar contra mim. Nem sempre a memória é suficiente para guardar todas as recordações. É certo que o facto de eu me estar a iniciar neste mundo fantástico da fotografia se deve também à sua polivalência. Ou seja, dentro da interdisciplinaridade da Arqueologia também se insere a fotografia. Mas este apaixonante “hobby “ não nos permite parar. Agora dou comigo constantemente a pegar na máquina e a sair porta fora para captar umas imagens. É realmente apaixonante.

Para nos iniciarmos nesta área, entre outras possibilidades, uma delas é começar por praticar sozinho, cometendo erros, aprendendo com esses erros e com os concelhos de amigos ou conhecidos mais experientes. Uma outra forma é começar a fazer uns trabalhinhos para um jornal, seja ele impresso ou on-line, já para não falar em tirar-se um curso, o que é de facto muito bom.

Comigo está a acontecer um bocadinho de tudo isto. Conversa com amigos, troca de ideias, ensinamentos recíprocos, uns trabalhos para o Jornal Universitário de Coimbra em: http://www.acabra.net. Vão-se conhecendo fotógrafos dos mais diversos pasquins e com eles novas dicas técnicas surgem.

O fotojornalismo é, sem duvida, um estar á hora certa no momento certo e olhar para a coisa certa na hora certa. É fascinante.

Para quem não sabe exactamente do que falo ao referir-me a fotojornalismo deixo um texto da “Wikipédia, a enciclopédia livre”, que pode ajudar.

“Fotojornalismo é a prática do jornalismo por meio da linguagem fotográfica em substituição da linguagem verbal. O fotojornalismo preenche uma função bem determinada e tem características próprias. O impacto é o elemento fundamental. A informação é imprescindível, assim como o elemento da actualidade e do interesse social. É na fotografia de imprensa, um braço da fotografia documental, que se dá o grande papel da fotografia de informação, o fotojornalismo. É no fotojornalismo que a fotografia pode exibir toda a sua capacidade de transmitir informações. E essas informações podem ser passadas, com beleza, pelo simples enquadramento que o fotógrafo tem a possibilidade de fazer. Nada acontece hoje nas comunicações impressas sem o endosso da fotografia. Existem, basicamente, três géneros de fotografia jornalística:

As fotografias sociais: nessa categoria estão incluídas a fotografia política, de economia e negócios e as fotografias de factos gerais dos acontecimentos da cidade, do estado e do país, incluindo a fotografia de tragédia.

As fotografias de desporto: nessa categoria a quantidade de informações é o mais importante e o que influi na sua publicação.

As fotografias culturais: esse tipo de fotografia tem como função chamar a atenção para a notícia antes de ela ser lida e nisso a fotografia é única. A fotografia a preto-e-branco publicada em jornais existe há mais de cem anos e é uma das características do fotojornalismo. A fotografia a cores começou a ganhar espaço nos anos 70 em revistas, agora é o mais comum.”

In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fotojornalismo

Actualmente dispomos da mais complexa e diversificada gama de produtos. Desde as máquinas digitais compactas às encorpadas reflex de objectivas amovíveis. O que manda é a carteira, pois, como em tudo, a profissionalismo requer elevados custos, mas os resultados compensam e a paixão aumenta à medida dos resultados.


Citando Furio Colombo: "É ao fotojornalista que a realidade concede aquele instante único que altera para sempre a experiência de todos".






Foto: D.R.




Esta é a verdadeira essência do fotojornalismo: olha, capta, sente e transmite.


Para quem nunca experimentou o meu concelho é, experimente e divirta-se!



segunda-feira, outubro 16, 2006

Figueira da Foz - outros tempos e outras vontades

Quem não conhece o encanto da cidade da Figueira da Foz?


Eu conheço, mas, sinto pena de não a ter conhecido há uns anos atrás.

Os tempos dos nossos avós não são só tempos de más recordações. A pureza dessa vida que outrora se vivia seria hoje uma pérola preciosa, se existisse.

Os tempos mudam, mas para quem viveu nessa Figueira de outrora fica, provavelmente, a saudade a preto-e-branco.

A pobreza podia ser visível na falta de carteira de muitos, muitos que nem carteira tinham para guardar uns trocos de reis, uns dos poucos que restavam, e se restassem.

Conta-me o meu avô que à mesa uma sardinha dava para ele e para os seus cinco irmãos.

Chamamos a isso pobreza, é verdade. Mas será que a falta de pão é pior do que falta de carinho, de respeito, de seriedade, de compreensão, de Amor? Eu acho que não.

Nesse tempo dividia-se uma sardinha entre seis irmãos, agora mata-se por uns centímetros quadrados de terra.

Se há imagens que falam mais do que mil palavras, então as que se seguem não param de proferir palavras. Palavras de saudade.



























































sábado, outubro 14, 2006

Conímbriga - contextualização histórica

A luta levada a cabo pelos exércitos romanos para o controlo do território em que hoje se situa Portugal durou perto de dois séculos. Iniciada no começo do século II a.C., pode considerar-se terminada em 25 a.C., ano em que César Octaviano, o Augusto, termina a campanha em terras do Noroeste peninsular. A pertença do território ao Império Romano manter-se-á até á desagregação do Estado imperial, com a penetração na Ibéria de povos armados, os chamados bárbaros invasores -Suevos, Vándalos, Alanos -, logo nos primeiros anos do século V. Tudo começou em Ampúrias, na costa hoje catalã. Em 218 a.C. as primeiras legiões romanas desembarcaram na cidade, no quadro das guerras que Roma trava com Cartago para o dominio do Mediterrâneo Ocidental. Vencidos os rivais cartagineses, os romanos têm o terreno aberto na Península Ibérica. No entanto, têm de fazer agora frente aos peninsulares. Não formando, de modo algum, um todo homogéneo, os povos da futura «Espanha» vão reagir de modo diferente á ocupação militar romana. Mais integrados no espaço cultural mediterrânico, mais afins dos invasores, os povos do Sul parecem não terem oposto grande resistência aos novos senhores. Porém, a partir da linha marcada pelo rio Tejo as dificuldades de penetração para Norte foram significativas.

Caberá a Décimo Júnio Bruto a primeira grande ofensiva. A progressão será feita a partir de Olisipo e de Moron (perto de Santarém), pelo litoral, até ao rio Minho, que atingirá ainda em 138 a.C. Teria todavia de passar ainda mais de um século para que a Península pudesse ser considerada submetida á paz romana. Será sob o comando de Augusto que as legiões romanas, avançando simultaneamente do Sul e do Leste, vão encontrar-se no extremo Noroeste peninsular. Chegámos ao ano 25 a.C. A ocupação militar romana, como enquadramento administrativo do território, veio criar condições para a aculturação dos povos locais, a sua adesão ao saber, aos valores, aos hábitos e ás formas de comportamento do invasor. A Península Ibérica foi romanizada. E foi-o de maneira profunda. Para além das vicissitudes políticas, para além da desintegração do Império Romano, houve traços culturais que foram de tal maneira absorvidos pelos povos locais que eles criaram uma nova identidade ou, pelo menos, importantes tratos identificadores da sua personalidade. Uma nova língua, por ela e através de línguas suas derivadas, acabou por monopolizar quase integralmente - a excepção é o País Basco - o espaço peninsular. Uma nova religião, o cristianismo romano e imperial, veio introduzir novas fórmulas e formas integradoras, moldar o pensamento religioso oficial e enquadrar o pensamento religioso de carácter popular. As relações entre os homens passaram a ser regidas por normas criadas em Roma e adoptadas na Península. Povoações romanas, ou desenvolvidas pelos romanos, deram em muitos casos origem a grandes cidades portuguesas. Lisboa, Braga, Coimbra, Faro, Santarém, Viseu, estão neste caso. Outras não tiveram continuidade ou acabaram por aglutinar no seu sítio populações escassas, organizadas em povoados medíocres, como a

Civitas Igaeditanorum ou Conímbriga.

Conímbriga é um sítio arqueológico privilegiado. E deve-o, grandemente, á sua localização. Objecto de descoberta, de interrogações, de estudo, Conímbriga teve a sorte de encontrar-se a uma dúzia de quilómetros de distância da que, durante centenas de anos, foi a sede do saber oficial em Portugal - a Universidade de Coimbra. Foi assim que esta cidade morta, cuja existência ainda se prolongou para além da queda do Império Romano, atraiu as atenções dos estudiosos que a avizinhavam.

Os mais antigos vestígios arqueológicos do sítio de Conímbriga parece datarem do século IX a.C. Aqui se teria implantado uma povoação fortificada – ligada certamente com a foz do rio Mondego através de um rio dos Mouros limpo de sedimentos - em que estariam patentes as marcas da civilização mediterrânica. Com o decorrer do tempo, fazer-se-iam sentir outras influências, célticas, até que, com a chegada dos exércitos romanos ao extremo ocidente peninsular, no século II a. C., a «cidade dos Cónios» será submetida aos invasores.

Longe de constituir uma das principais cidades luso-romanas -pense-se na Olísipo/ Lisboa, na Bracara/Braga-, Conímbriga deriva parte da sua importância ao situar-se justamente num local de passagem da estrada que unia estas duas cidades, entre Sellium/Tomar e Aeminium/ Coimbra. No reinado do imperador Augusto (César Octaviano, 30 a.C.-14 d.C.), Conímbriga é nobilitada com magníficos edifícios públicos, o fórum e as termas, nomeadamente. Nos séc. I-II d.C., a demonstrar um importante estatuto político, a cidade, que passara a ser designada por Flavia Conímbriga, vai ser dotada de novos instrumentos de prestígio - um novo fórum (fórum flaviano) e novas termas (termas trajánicas).

Na passagem do século III para o século IV, o estruturado Império Romano começa a desagregar-se. Paralelamente ao desaparecimento de uma autoridade central, os povos «bárbaros», nómadas ou seminómadas, multiplicam as incursões pelo território. É desta época que datam as ainda imponentes muralhas da cidade. Mas estas defesas não bastam para proteger Conímbriga. Em meados do século V os suevos assaltam-na. Depois os visigodos ocupam-na. É o começo do fim. No final do século VI o bispo de Conímbriga transfere-se para Aeminium/Coimbra. E nem o próprio topónimo resistirá a abandonar Conímbriga.

Ver texto e imagens em:

http://centros.edu.xunta.es/iesmariasolino/actividades/conimbri.htm

D.R.

"Eu que sou Feio..." - Cesário Verde

Eu que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa de um café devasso,
Ao avistar-te, há pouco fraca e loura,
Nesta babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorrestes um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
...
Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar o teu peito.

Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.

«Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, parastes embaraçada
Ao pé de um numeroso ajuntamento,

E eu, que urdia estes frágeis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Um pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.

Cesário Verde

"Passamos pelas coisas sem as ver" - Eugénio de Andrade

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.


Eugénio de Andrade

terça-feira, outubro 10, 2006

Foi a Cegonha ou foi o Amor?

Entristece-me saber, mais ainda me entristece sentir, que o sentimento "AMOR" cada vez mais é substituído por outros, outros que se calhar nem merecem ser chamados de "sentimentos".

Basta reparar-mos nas diversas aplicações às quais atribuímos esta palavra tão bela. Amor de pais para filhos é "amor", amor de marido para esposa ou de namorado para namorada é "amor", amor dos discípulos para com o seu Senhor é "amor", amor entre familiares é "amor". A sua banalização é tão grande que um sentimento tão belo quanto o é o "AMOR" quase que se parece com um canivete-suiço, daqueles muiltifunções. É verdade. Nunca tinhas pensado nisto?

Até nisso os antigos Gregos eram mais sensíveis do que nós hoje somos; para cada tipo de situação usavam uma palavra diferente, assim não corriam o risco de banalizar palavras/sentimentos tão ricos em essência quanto o é este de que falo.

Mas vamos directos ao assunto.

O que te disseram os teus pais quando eras pequenino e te saíste com aquela questão paradigmática "mãe como é que nascem os bebés?"?

Certamente que a resposta foi: "Vêm no bico de uma cegonha".

Bem, quer dizer, é verdade que ás vezes as crianças nos surpreendem com perguntas tão espontâneas que no momento a resposta nem tempo tem para ser pensada. A verdadeira verdade é que outras tantas vezes a pedagogia adoptada pela entidade paternal não acompanha o avanço racional da puerícia.

Não sou psicólogo por isso não me cabe a tarefa de fazer juízos de valor ás formas educacionais com que fomos educados, só acho é que o "choque de água fria" com que depois somos confrontados é bem mais prejudicial à mente do sujeito do que se a verdade, a seu tempo, tivesse sido exposta, ainda que fosse necessário recorrer a frases mais simples. A mentira acompanha-nos logo desde que do seio materno saímos. Não concordas?

Eu até nem tenho nada contra essas tão belas aves, bem pelo contrário. A ornitologia faz parte de mim há muito tempo. Só penso que com melhores maneiras se podiam matar as mesmas pulgas.

As cegonhas são belas de mais para serem mortas paralelamente ao crescimento do homem. Sim, é verdade. Se em pequenos guardamos dentro de nós as cegonhas em tão boa e admirável consideração, o nosso crescimento, pelo contrário, vem causar-lhes a morte. Assim não admira que estejam em vias de extinção. Já o dizia a voz de Carlos Paião num poema tão belo quanto as próprias cegonhas e tão verdadeiro quanto o sonho que descreve.



"Cegonha"


Olá cegonha, gosto de ti!
Há quanto tempo, te não via por ai!
Nem teus ninhos nos telhados,
Nem as asas pelo céu!
Olá cegonha! Que aconteceu?

Ainda me lembro de ouvir-te dizer,
Que tu de longe os bebes vinhas trazer!
Mas os homens vão crescendo,
E as cegonhas a morrer!
Ainda me lembro... não pode ser!

Adeus cegonha, tu vais voar!
E a gente sonha...é bom sonhar!
No teu destino, por nos traçado!
Leva o menino, que é pequenino, toma cuidado!

Adeus cegonha, adeus lembranças...
A gente sonha, como crianças!
Faz outro ninho, no som dos céus!
Vai de mansinho, mas pelo caminho, diz-nos adeus!

Adeus cegonha, tu vais voar!
E a gente sonha... é bom sonhar!
No teu destino, por nós traçado...
Leva o menino que é pequenino, toma cuidado!
Leva o menino... mas tem cuidado!


E esta heim?...

sexta-feira, outubro 06, 2006

A sombra que repousa sentada à sombra de outra sombra

Já alguma vez viste uma sombra? Já? Sério?

Já tinha visto muitas sombras, muitas, mas mesmo muitas sombras, daquelas sombras que projectam no chão o vulto de outrem. Mas, neste feriado comemorativo do 863º aniversário da Independência de Portugal (5 de Outubro de 1143) e do 96º da Implantação da República (5 de Outubro de 1910) vi uma sombra, especial, sentada num banco abandonado, de entre os muitos, no Jardim Botânico de Coimbra. Não, não era a sombra de D. Afonso Henriques. Mas, era uma sombra. Uma sombra especial, bonita.

Ao vê-la tentei aproximar-me, mas, era uma sombra tão tímida que nem me quis ver, muito menos me quis falar. Então, limitei-me a contemplá-la. Tentei tirar-lhe uma fotografia mas nem isso ela deixou. Apenas consegui fotografar o banco onde , há instantes, ela havia estado sentada. Ela fugiu, fugiu de mim. Mas nem assim deixou de ser uma sombra especial, "sui generis", ela, uma sombra diferente. Por instantes sonhei tornar-me numa sombra, assim, especial. Mas, diz-me, como é que algo ou alguém que não é especial se pode tornar numa sombra especial? Como? Será fácil? Será impossivel?


Pois, tantas interrogações e nenhuma resposta. A única coisa que te consigo dizer é que não desisti de procurar aquela sombra. Não, não se pode desistir assim tão facilmente de encontrar algo tão especial, é que o raio da sombra era mesmo bonita.

Olhei para trás e pareceu-me ver a mesma sombra sentada à sombra da sombra de uma árvore, uma daquelas árvores de nome estranho, proveniente da Austrália, uma árvore enorme, tão grande quanto a beleza do país de onde provém. Mas não era. Era apenas a minha sombra. A sombra de alguém que se deslocava em busca de uma sombra e que acabou por encontrar a sua própria sombra. Ás vezes a vida faz-nos destas partidas. Faz-nos procurar aquilo que está dentro de nós próprios, como quem procura a Paz desconhecendo que ela está dentro de si mesmo. É verdade. Nunca tinhas ouvido isto? O homem tem a paz, mas não sabe. É só fechar os olhos e olhar para dentro de si mesmo. A paz tem-se vindo a perder em labirintos de pensamentos poluídos pela falta de amor. Descobri que afinal tenho sombra. Descobri que a minha sombra está poluída. Não por falta de amor, mas sim, por falta de amor.

Não fotografei a minha própria sombra porque não me fotografei a mim mesmo. Mas, era bom que o tivesse feito. Talvéz assim conseguisse olhar para mim mesmo. Queres ser o meu espelho? Queres reflectir a pessoa que eu sou, para eu me poder ver? Queres? Olha que é muito fácil. Reflectir os defeitos dos outros é tão fácil. Sério, nunca experimentaste? Dificil é observares os teus próprios defeitos, porque os dos outros é fácil.

Fiquei sem sombra. Fiquei sem a memória da minha sombra. Fiquei sem sombra.

Mas,continuo a ser EU.

E este continua a ser o banco onde a minha sombra esteve sentada à sombra de outra sombra. Mas foi só e apenas a minha sombra. Eu não estive.












Este é o tão falado banco, o banco onde outrora uma sombra se sentou à sombra de outra sombra. Mas, onde está a sombra? Onde estou eu? Apenas sei onde está o banco, de resto, não sei mais nada...

E tu, sabes alguma coisa? Sabes onde estás? Sabes onde está a tua sombra? Ou apenas sabes onde está o teu banco?

Encontra-te a ti mesmo e encontrarás a tua sombra, sentada à sombra de outra sombra.

A essa sombra eu chamo "Amor".

"O que há em mim é sobretudo cansaço"

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
 
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
 
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
 
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...





Álvaro de Campos

"Falas de Civilização..."

Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!




Alberto Caeiro